31.1.12

"The Life and Times of Max Lorenz"

É um documentário excelente e imperdível para quem se interessa por estas coisas da música, dos cantores e das suas relações com o poder.

Max Lorenz foi um ídolo de Hitler e de Bayreuth até quase cair em desgraça por ter ousado casar com uma mulher judia e por ter sido apanhado em flagrante com outro homem. Foi a influência de Winifred (viúva de Siegfried Wagner), que na época dirigia o Festival de Bayreuth, que levou o Führer a permitir que Lorenz continuasse a cantar no Festspielhaus. Winifred, nora de Richard Wagner, terá dito a Hitler que sem Max Lorenz o Festival não se fazia.
A sua insistência em aparecer em público acompanhado pela mulher era vista pelos nazis como uma provocação e foi graças à intervenção de Göring que ela e a mãe não foram levadas pela SS. Max Lorenz, gozando de um estatuto privilegiado, protegido de Göring, terá também impedido que vários amigos judeus fossem perseguidos.

27.1.12

Terapia Mozart*

O jovem Mozart ao cravo, por Karl Offterdinger (1877), © Wikipedia

Aqui há dias, o Joaquim dedicou um post aos leitores portugueses do In Fernem Land e ofereceu-nos o Concerto nº 20 de Mozart, tal como Maria João Pires o tocou no passado dia 20 em Munique, com a Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera e Bernard Haitink.

Como hoje é dia de Mozart, que nasceu há exactamente duzentos e cinquenta e seis anos em Salisburgo, trago o presente do Joaquim para o valkirio, supondo que ele não se importará. Aliás, o que fica aqui é apenas o teaser. A ligação para o concerto completo está no referido post e recomenda-se.



*O título foi igualmente roubado ao Joaquim, já que não consegui encontrar um melhor.

23.1.12

Rienzi

Avery Fisher Hall (foto cedida por Bosc d'Anjou)

Ou se tomam as decisões no momento certo ou o comboio passa, diz Elisabete Matos em entrevista ao DN. E o comboio levou-a agora novamente a Nova Iorque, onde cantará em "Rienzi", com a Opera Orchestra of New York. Será já no próximo Domingo, 29 de Janeiro.

"Rienzi" é a terceira ópera completa de Richard Wagner, imediatamente anterior a "Der Fliegende Holländer", e, ao contrário das suas obras de maturidade, não é executada frequentemente. Desta vez será apresentada em versão de concerto no Avery Fisher Hall, com a direcção musical de Eve Queler, Ian Storey no papel titular, Elisabete Matos como Irene e Géraldine Chauvet como Adriano.


16.1.12

"Tannhäuser" na Gulbenkian

Joseph Tichatschek (Tannhäuser) e Wilhelmine Schröder-Devrient (Venus)
(na estreia em 1845) (Wikipedia)

Ontem pudemos ouvir um grande "Tannhäuser". Houve alguns desacertos na orquestra, como se mais um tempinho de ensaio tivesse dado jeito, mas o coro esteve em grande forma e a Gulbenkian trouxe a Lisboa dois cantores de primeira água:
  • Johan Botha já era conhecido do público do Grande Auditório e dele se diz que é o melhor Tannhäuser da actualidade. Cantou sem qualquer espécie de dificuldade o papel do trovador caído em desgraça. Esteve sublime no III acto, quando narrou, transbordando emoção, os acontecimentos da peregrinação a Roma. (Aqui canta In fernem Land, de "Lohengrin")
  • Falk Struckmann (Landgraf Hermann) distinguiu-se em personagens como Amfortas, Scarpia e Wotan. Hermann é uma figura importante em "Tannhäuser" e requer uma nobreza vocal como a de Struckmann. Contudo, trata-se de um papel pequeno para quem gostaria de o ouvir mais. Vejamo-lo na cena final de "Das Rheingold", em Barcelona, na encenação de Harry Kupfer e com a direcção musical do mesmo Bertrand de Billy que ontem segurava a batuta.
Ao pé destas duas grandes vozes, a de Manuela Uhl (Venus) soou-me pouco interessante e sedutora e a de Melanie Diener (Elisabeth) pareceu-me estar abaixo do que se espera para aquele papel, principalmente quando o Heldentenor é Botha.

Outro contraste infeliz foi a presença de Job Tomé como Wolfram. O seu grande momento, O du, mein holder Abendstern, perdeu-se na sala.

Nada a dizer em relação aos pequenos papéis, e uma nota muito positiva para Ana Maria Pinto (Jovem Pastor).

    14.1.12

    Così fan tutte

    "Così fan tutte" estreia hoje no Teatro de São Carlos. A temporada, como se sabe, empobreceu devido aos célebres cortes orçamentais, com cancelamentos e adiamentos, estando anunciada, porém, uma nova produção de "La Rondine" com "custos moderados".

    Dá-se o caso de as coisas também não estarem a correr lá muito bem aos teatros por essa Europa fora. Em Copenhaga, os cortes no Teatro Real vão obrigar à redução de pessoal, segundo o Intermezzo. Em Itália, se excluirmos Milão, o panorama não é bonito. O Teatro Real de Madrid anunciou que provavelmente apresentará quatro óperas em versão de concerto na próxima temporada e em pior situação parece estar o Liceu de Barcelona, que estuda a hipótese de cancelar duas produções da temporada em curso.

    13.1.12

    Mahler com marimba

    Antes da invenção dos telemóveis, o medo de actores, músicos e cantores era de ter uma branca ou falhar uma nota. Agora, antes de pisarem o palco, pedem aos santinhos que lembrem os espectadores de desligar convenientemente os seus apêndices de comunicação. Um telemóvel pode perturbador um artista ao ponto de ter de interromper a actuação. Foi o que fez o maestro Alan Gilbert há dias, durante um concerto com a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque no Avery Fisher Hall.

    Soavam os compassos finais da Nona de Mahler quando se ouviu, sem cessar, vindo de uma das filas da frente, o toque de um iPhone. Parou tudo, o maestro pediu ao dono do telemóvel que o desligasse e, após longos momentos, retomou o concerto. O caso deu que falar e o dono do dito telemóvel já foi entrevistado pelo New York Times e contou como pediu desculpa ao maestro pelo sucedido.

    Aqui fica um apelo ao leitor: quando estiver num teatro ou numa sala de concertos (ou no cinema), se não sabe como desligar os alarmes do seu telemóvel, peça ajuda ao vizinho do lado com a devida antecedência. Ou faça como certos que eu conheço: retire a bateria do telefone, não vá o diabo tecê-las e fazê-lo passar por uma vergonha destas:

    11.1.12

    Notícias de Milão


    Sabe-se que os estudos estão a correr bem a Carlos Cardoso e que ele vai apresentar-se nos próximos concertos dos solistas da Academia do Teatro alla Scala, amanhã e Sábado (I Concerti dell'Accademia). Carlos cantará a ária Spirto gentil, de "La Favorita" de Donizetti.
    A imagem chegou aqui através do tenor Paulo Ferreira, de quem Carlos Cardoso já foi aluno.

    9.1.12

    Wagner +


    Está a decorrer na Gulbenkian o ciclo Wagner +, que teve início há dias com obras de Liszt interpretadas por Artur Pizarro e terminará em Maio com Philippe Herreweghe. O destaque vai agora para a ópera "Tannhäuser" em versão de concerto, a ser apresentada nos próximos dias 12 e 15. Bertrand de Billy dirigirá a Orquestra e o Coro Gulbenkian e o elenco é este:

    FALK STRUCKMANN (baixo) (Hermann)
    JOHAN BOTHA (tenor) (Tannhäuser)
    JOB TOMÉ (barítono) (Wolfram)
    JUN-SANG HAN (tenor) (Walther)
    MELANIE DIENER (soprano) (Elisabeth)
    LUÍS RODRIGUES (baixo) (Biterolf)
    MANUELA UHL (soprano) (Venus)
    DIETMAR KERSCHBAUM (tenor) (Heinrich)
    NUNO DIAS (baixo) (Reinmar)
    ANA MARIA PINTO (soprano) (Jovem pastor)


    Na sexta-feira, dia 13, será exibido no Grande Auditório o filme "Parsifal", de Hans Syberberg. A entrada é livre.

    2.1.12

    O Concerto de Ano Novo

    Jorge Rodrigues tem a palavra:

    (Imagem de Hardmusica)
    O Concerto de Ano Novo que hoje decorreu no Teatro Nacional de São Carlos foi o melhor início de ano que tive de há muito tempo a esta parte. A coisa explica-se facilmente: uma das maiores cantoras do mundo apresentou-se ali com um programa de arromba, daqueles que precisamente só uma das maiores cantoras do mundo poderia defender. Não apenas pela verdadeira proeza que é cantar completamente à vontade, e gloriosamente, algumas das mais difíceis e escolhosas árias de Verdi e de Puccini (a primeira da Lady Macbeth e o “In questa reggia” da Turandot), mas também pelo verdadeiro feito vocal que é afrontar, depois destes trechos, uma série de árias que obrigam a uma ductilidade, um lirismo, uma leveza de emissão e uma graciosidade que são o oposto musical, dramático e técnico das primeiras – ou seja, uma deliciosa série de páginas de opereta vienense e de zarzuela espanhola. Todas elas foram cantadas como poucas vezes ouvi (e já ouvi muitas!). À extraordinária e única realização musical a grande cantora aliou um completo à vontade e uma veracidade no domínio dramático que transformaram todos os momentos em actos únicos de prazer e de empatia.

    Convém agora dizer que esta, que é uma das maiores cantoras do mundo, se chama Elisabete Matos, e que é portuguesa, e que tem nos últimos anos realizado uma carreira que a tem levado aos maiores palcos de ópera do planeta - e não vou nomeá-los para que este texto não se transforme num atlas mundial.

    Elisabete Matos é portuguesa e sente muito, e adora, o seu país. O que poderia não acontecer, mas acontece. Prova disso é este concerto. Assim que se anunciaram os dramáticos cortes orçamentais que o São Carlos sofreu – como todas as instituições nacionais – logo Elisabete Matos se prontificou para oferecer ao Teatro um Concerto de Ano Novo cuja receita pudesse ajudar na difícil situação económica. Mais, pediu a um amigo seu, o maestro espanhol Miquel Ortega (que, diga-se, dirigiu fantasticamente o evento), que a secundasse neste gesto e viesse – também graciosamente – participar no concerto. Eu, tal como Amália Rodrigues, não gosto daquelas palavras ou frases muito “grandes” que correm o risco de ficar pequenas, mas atrevo-me aqui a dizer que só artistas com muita alma têm gestos destes. Isto não foi anunciado, obviamente, mas tinha de se saber. Eu sou português, caramba, e como elemento do Coro do Teatro não posso deixar de querer exprimir a minha comoção e o meu profundo agradecimento. Está dito.

    Pois o concerto foi um sucesso extraordinário, como há muito tempo não se via em São Carlos. Para já, a tarjeta de “Esgotado” posta dias antes nos cartazes. E depois – e é isso que sempre interessa – a recepção do público; um público verdadeiramente emocionado, vibrante, prestando à cantora ovações delirantes. Foi um fim de tarde verdadeiramente histórico, e este é um Primeiro de Janeiro que nunca esquecerei por mais que viva.

    Que fazem perante isto a televisão e a rádio estatais do país? Recorde-se que os contribuintes pagam uma estação televisiva de nome RTP2 que, segundo apregoam, é vincadamente dedicada à cultura, e pagam também uma estação de rádio estatal que há uns anos se dedicava à cultura, de nome Antena 2. Mas, mesmo assim, poderiam ter pensado, sei lá, que talvez fosse bom transmitir o concerto de Ano Novo de Lisboa. Pois não pensaram! Em vez de transmitir a verdadeira alegria que foi termos um São Carlos apinhado por causa de uma portuguesa que é uma das maiores cantoras do mundo, optaram pela transmissão do Concerto de Ano Novo de Viena - aquilo que, embora de grande qualidade, se compra empacotado, não dá trabalho, não faz pensar. Para eles o Chiado é menos português que a Annestrasse!

    Cada vez me sinto mais ciceroniano: Até quando abusarão da nossa paciência?

    Jorge Rodrigues